Encontrava-se ali, sentada na sala. Já era noite e todos deveriam estar fazendo algo mais importante que sentar e conversar. As luzes dos quartos estavam acesas, o que diminua o breu em que a sala se encontrava. Levantou-se e foi até a porta que separava esse cômodo dos outros. Algo diferente aparecia, não existia o corredor que levava aos quartos, e sim uma escada que descia a algum lugar desconhecido. Consumida por uma imensa curiosidade, atravessou a porta e adentrou o estranho local. As escadas pareciam intermináveis e tudo que se fazia presente era a escuridão. Os degraus finalmente haviam acabado, uma fina camada de claridade adentrava o local, que se mostrava demasiadamente grande. Silhuetas manchavam o que deveria ser uma sala, com móveis cobertos por lençóis para que a poeira presente não se apoderasse dos mesmos. Automaticamente puxou um lençol. O espanto se fez ao ver o brilho emanado. Tinha diante de si uma mesa de puro ouro. Passou a puxar os outros lençóis e espantou-se ao perceber que todos os móveis eram feitos de ouro. Ficou admirando por um tempo que pareceu interminável, até ser subitamente acordada de seus devaneios por um barulho. Virou-se para trás e teve a certeza de ter visto um vulto de algo... ou alguém. Outra vez. Seguia-o com os olhos rápidos pelas paredes, até virar-se novamente para trás e...
Acordara. Mais um sonho como outro qualquer. Aquele cômodo imaginário lhe causara um estranho sentimento de medo, mas nada fora do comum para um pesadelo. O dia se seguiu normalmente.
Encontrava-se novamente naquela sala sombria, os móveis novamente cobertos com o lençol. Como havia chegado até ali novamente? Não se lembrava de ter estado sentada na sala de sua tia como da outra vez, nem da escada que desceu. Apenas estava ali, novamente, instantaneamente. Como da outra vez puxou os lençóis dos móveis, e mais uma vez o ouro brilhava. Um vulto passou, como antes, e quando se virou para trás...
Deu um pulo da cama, era a segunda vez que tinha o mesmo sonho, e acordava exatamente na mesma parte. Seguiram-se dias com outros sonhos, mas em algumas noites estava novamente ali, no salão com móveis de ouro, e o sentimento de medo mais uma vez invadia-lhe.
Caminhava tranquilamente pelo mercado, o celular tocou. Ao ouvir a voz do outro lado da linha, um calafrio percorreu todo seu corpo. Uma voz, estranhamente robótica, falava com tranquilidade: - o homem de moletom vai sacar uma arma em exatamente 4 minutos. Saia daí. - ela ignorou o aviso, mas olhou para o relógio. Quatro minutos se passaram e a cena descrita pela estranha voz aconteceu. O homem com o moletom sacou uma arma aterrorizando o mercado inteiro. Saiu correndo do local, dando de frente com uma avenida conhecida por ela, mas estranhamente modificada. No lugar onde deveriam estar prédios, era vista uma praia. Aquilo não poderia ser real. Ignorou um pouco esse fato e continuou andando para algum lugar que não sabia. Seu celular tocou. Era novamente a voz, dizendo-lhe para seguir a avenida e de maneira alguma mudar o caminho. Não se atreveu a contrariar o estranho do outro lado da linha, seguindo a risca todas as ordens enviadas. Durante seu trajeto encontrava alguns conhecidos, que se juntavam à garota e por algum motivo se separavam misteriosamente. Seguia todas as instruções, e quando de alguma maneira desobedecia, haviam consequências. Ao mesmo tempo que se sentia apreensiva ao estranho da voz, sentia-se protegida. Chegou ao seu destino.
Um portão velho, com uma pequena trilha que descia, rodeada de um cemitério em ruínas, comido pela natureza local. O barulho do celular. - Alô? - Siga a trilha - Por que? - Não se sinta ameaçada, pode seguir a trilha. - Aceitou a ordem e seguiu automaticamente a trilha até parar de frente a uma imensa porta. A construção era gigantesca, uma mansão devorada pelo tempo, mas ainda sim magnífica. Bateu uma, duas, três vezes e não foi atendida. Adentrou sem consentimento nenhum o local. Espanto! A única palavra que descrevia bem a situação. De frente para si estava o cômodo de seus outros sonhos, exatamente igual. Os lençóis cobriam os móveis, a fina camada de luz que adentrava o local. Sentiu ser consumida pelo mesmo medo que outrora sentiu, mas agora bem mais acentuado. Puxou os lençóis revelando todo ouro coberto, e avistou mais uma vez o vulto. Virou-se para trás esperando acordar em sua cama, mas aterrorizada percebeu que continuava ali naquele aposento. O vulto rapidamente sumiu escada acima, e ainda desconcertada, seguiu-lhe. Encontrava-se parada no andar de cima, de frente a um imenso corredor coberto de portas fechadas. Apenas uma se encontrava aberta. Apreensiva, seguiu até a mesma e adentrou o aposento. Tinha diante de si uma espécie de escritório, decorado de maneira fúnebre. Virou-se para a mesa do local, com a cadeira atrás da mesma virada de costas para ela, em direção a parede. - Que bom que veio. - a voz era conhecida, e instantaneamente um pavor que nunca sentiu antes lhe invadiu. - O que você quer de mim? - a garota gritava. Pôde ser visto os dois braços do estranho se apoiando na poltrona, revelando as mangas do paletó e suas luvas. Preparava-se para virar em direção da garota, e quando o fez...
Estava em sua cama, novamente. O medo tomava conta de todo seu ser. Tinha consciência de que era apenas um sonho, mas por que o mesmo a seguia noites a dentro? Torcia internamente para não o ter novamente e assim se seguiu... por um tempo.
Mercado. Tinha a estranha sensação de já ter estado ali antes. Seu celular tocou. Aquela voz... não, de novo aquela mesma voz, não. Como no outro sonho, lhe dava as mesmas instruções, mas dessa vez, fez do seu jeito. Ignorou todas as ordens impostas e mesmo que passasse por apuros, era muito melhor que dar de cara novamente com aquele lugar. Seguiu um caminho totalmente oposto ao que era dito, e se espantou ao perceber que estava diante do mesmo portão, de alguma maneira - M-mas co-como? - seus olhos arregalados, suas mãos tremiam, por que ali? O celular mais uma vez tocou. - A-alô? - Siga a trilha - Não! - Siga a trilha, estará segura, aí é perigoso - Não! Aqui é muito mais seguro - Vão atrás de você - Não vou entrar - Entre - Não! - Entre- Não!. - Fechou os olhos com força, como se dessa maneira pudesse acordar desse pesadelo. O medo lhe tomava por inteira. Queria sair de lá. Queria ao menos acordar. Queria...
Abriu os olhos, sentiu-se coberta pelo edredom, sentiu sua cabeça apoiada no travesseiro.